"A virtude é sempre discreta"
Lia eu o livro do marxista Terry Eagleton, "O Debate sobre Deus" (ed.
Nova Fronteira, 232 págs., R$ 39,90), recém-publicado entre nós, quando
topei com sua crítica ao cineasta Clint Eastwood.
Eagleton é um bom pensador, mas ninguém é perfeito. Seu livro é muito bom e merece ser lido, mas o que ele diz sobre Eastwood é uma grande bobagem.
Bobagem, aliás, comumente repetida por gente de bem, mas contaminada pelo que há de pior nos maus hábitos da esquerda: falar mal de algo que não conhece.
Eastwood não é um cineasta machão (como supõem Eagleton e quase toda a esquerda, que nada entende de ser humano, porque pensa o tempo todo na bobagem de luta de classes e oprimido x opressor). Pelo contrário, talvez ele seja um dos artistas que melhor entendem o desespero humano (masculino ou feminino), assim como suas virtudes mais sagradas, como a coragem, o autossacrifício e a generosidade.
Recentemente, revi seu maravilhoso filme "As Pontes de Madison" (1995), um longa feito para as mulheres, como muitos dizem.
Provavelmente ele pegou muita mulher por conta desse filme. Mulheres comumente não resistem a homens que parecem entendê-las. Uma das coisas mais lindas na mulher é a sua capacidade de erotizar o intelecto masculino.
Concordo que "As Pontes de Madison" seja um filme sobre o desejo feminino atado à rotina esmagadora de um casamento sem amor, mas nem tanto. Ele vai muito além de um drama especificamente feminino.
Sua personagem feminina principal, Francesca, vivida por Meryl Streep, não representa apenas as mulheres entediadas de casamentos conservadores (apesar de que sim, também as representa), mas sim todos os homens e mulheres que abrem mão de suas vidas afetivas em nome da família sem reclamar.
Se é verdade que Gustave Flaubert (1821-80), autor do clássico "Madame Bovary" (1857), disse um dia a famosa frase "Emma Bovary sou eu" (referindo-se à personagem principal de seu romance como representante universal da infelicidade humana), acho que muitos homens poderiam dizer, parafraseando esse grande romancista francês do século 19, "Francesca sou eu".
É um erro comum pensarmos que as angústias femininas não são universais. Tal erro é comum principalmente nas feministas, que, na realidade, não entendem nada de mulher nem de homem. Essa tendência a achar que os fantasmas femininos são "coisa de mulher", assim como menstruação e menopausa, é comum mesmo em gente capaz.
Vejamos. No filme em questão, ao final, Francesca (casada e mãe de dois filhos) abre mão de ir embora com Kinkaid, fotógrafo da "National Geographic", vivido pelo próprio Eastwood, e que se tornará seu amante por alguns dias, mas de quem ela jamais se esquecerá (nem ele se esquecerá dela).
No marasmo de uma vida interiorana americana, Francesca vive por poucos dias o pecado do adultério. Não se faz de vítima, mas sabe que peca. Peço aos inteligentinhos que nada entendem do conceito de pecado que vão brincar no parque.
O adultério é um pecado, principalmente quando há amor envolvido; talvez, somente quando há amor envolvido. E pecado aqui significa a consciência de que você não é dono de si mesmo. Suas reações, pensamentos e esquemas rotineiros de enfrentamento da vida entram em colapso. E dói.
E mais: é pecado porque o adultério faz você ver que existe alguém dentro de você que é despertado do sono por outra pessoa que não aquela que divide honestamente e cotidianamente o dia a dia da sua vida.
Aquela pessoa que envelhece com você ao longo de uma vida de "pequenos detalhes" (como diz nossa heroína Francesca) que, ao serem somados, representam uma parceria de confiança, retribuição e generosidade. A grandeza da pecadora Francesca só pode ser medida contra seu sacrifício em nome dos filhos e do fiel e dedicado marido.
A alma de um pecador é a sua consciência de que faz algo contra alguém que não merece. A pior tragédia do adultério se dá quando o traído é inocente.
Ao contrário do que muitas mulheres casadas pensam, muitos homens sacrificam suas vidas afetivas em nome delas e dos filhos, em silêncio. A virtude é sempre discreta.
Eagleton é um bom pensador, mas ninguém é perfeito. Seu livro é muito bom e merece ser lido, mas o que ele diz sobre Eastwood é uma grande bobagem.
Bobagem, aliás, comumente repetida por gente de bem, mas contaminada pelo que há de pior nos maus hábitos da esquerda: falar mal de algo que não conhece.
Eastwood não é um cineasta machão (como supõem Eagleton e quase toda a esquerda, que nada entende de ser humano, porque pensa o tempo todo na bobagem de luta de classes e oprimido x opressor). Pelo contrário, talvez ele seja um dos artistas que melhor entendem o desespero humano (masculino ou feminino), assim como suas virtudes mais sagradas, como a coragem, o autossacrifício e a generosidade.
Recentemente, revi seu maravilhoso filme "As Pontes de Madison" (1995), um longa feito para as mulheres, como muitos dizem.
Provavelmente ele pegou muita mulher por conta desse filme. Mulheres comumente não resistem a homens que parecem entendê-las. Uma das coisas mais lindas na mulher é a sua capacidade de erotizar o intelecto masculino.
Concordo que "As Pontes de Madison" seja um filme sobre o desejo feminino atado à rotina esmagadora de um casamento sem amor, mas nem tanto. Ele vai muito além de um drama especificamente feminino.
Sua personagem feminina principal, Francesca, vivida por Meryl Streep, não representa apenas as mulheres entediadas de casamentos conservadores (apesar de que sim, também as representa), mas sim todos os homens e mulheres que abrem mão de suas vidas afetivas em nome da família sem reclamar.
Se é verdade que Gustave Flaubert (1821-80), autor do clássico "Madame Bovary" (1857), disse um dia a famosa frase "Emma Bovary sou eu" (referindo-se à personagem principal de seu romance como representante universal da infelicidade humana), acho que muitos homens poderiam dizer, parafraseando esse grande romancista francês do século 19, "Francesca sou eu".
É um erro comum pensarmos que as angústias femininas não são universais. Tal erro é comum principalmente nas feministas, que, na realidade, não entendem nada de mulher nem de homem. Essa tendência a achar que os fantasmas femininos são "coisa de mulher", assim como menstruação e menopausa, é comum mesmo em gente capaz.
Vejamos. No filme em questão, ao final, Francesca (casada e mãe de dois filhos) abre mão de ir embora com Kinkaid, fotógrafo da "National Geographic", vivido pelo próprio Eastwood, e que se tornará seu amante por alguns dias, mas de quem ela jamais se esquecerá (nem ele se esquecerá dela).
No marasmo de uma vida interiorana americana, Francesca vive por poucos dias o pecado do adultério. Não se faz de vítima, mas sabe que peca. Peço aos inteligentinhos que nada entendem do conceito de pecado que vão brincar no parque.
O adultério é um pecado, principalmente quando há amor envolvido; talvez, somente quando há amor envolvido. E pecado aqui significa a consciência de que você não é dono de si mesmo. Suas reações, pensamentos e esquemas rotineiros de enfrentamento da vida entram em colapso. E dói.
E mais: é pecado porque o adultério faz você ver que existe alguém dentro de você que é despertado do sono por outra pessoa que não aquela que divide honestamente e cotidianamente o dia a dia da sua vida.
Aquela pessoa que envelhece com você ao longo de uma vida de "pequenos detalhes" (como diz nossa heroína Francesca) que, ao serem somados, representam uma parceria de confiança, retribuição e generosidade. A grandeza da pecadora Francesca só pode ser medida contra seu sacrifício em nome dos filhos e do fiel e dedicado marido.
A alma de um pecador é a sua consciência de que faz algo contra alguém que não merece. A pior tragédia do adultério se dá quando o traído é inocente.
Ao contrário do que muitas mulheres casadas pensam, muitos homens sacrificam suas vidas afetivas em nome delas e dos filhos, em silêncio. A virtude é sempre discreta.
Folha de São Paulo - Ilustrada - 09/01/2012
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