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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Como ganhar um Oscar - João Pereira Coutinho

Agora que a Academia de Hollywood já distribuiu os seus prêmios, imagino que o leitor esteja a sentir uma certa frustração.

Durante semanas, foram incontáveis os artigos sobre os filmes e atores indicados.

Mas em nenhuma matéria foi possível ler a resposta à questão sagrada: como ganhar um Oscar? Que posso eu fazer para subir naquele palco, segurar o eunuco dourado e agradecer à minha mulher, à minha mãe, à minha amante?

Fiz os meus estudos. Estou disposto a partilhar algumas conclusões com os leitores. Uma primeira certeza: esse ano foi atípico. E exceções não confirmam a regra. Vamos às regras.

Primeiro, as senhoras. A leitora deseja mesmo ganhar um Oscar de melhor atriz? Meta uma coisa na cabeça: ao contrário do que se diz, Hollywood é uma instituição essencialmente conservadora. A visão que tem da mulher é feita de extremos caricaturais que não mudam há quase cem anos.

A mulher que Hollywood aprecia habita sempre um dos extremos: ou é santa ou é prostituta.
Jennifer Jones foi santa Bernadette em 1943 ("A Canção de Bernadette"). Ganhou. Susan Sarandon foi freira em 1995 ("Os Últimos Passos de um Homem"). Também ganhou.

Se cruzarmos a linha, encontramos a mulher prostituta: Elizabeth Taylor foi uma em "Disque Butterfield 8" (1960). Jane Fonda repetiu a dose em "Klute - O Passado Condena" (1971). Ganharam ambas.
E quando não são santas (ou prostitutas), convém serem princesas (ou desequilibradas): Ingrid Bergman bateu a concorrência como Anastácia (1956); Audrey Hepburn passeou por Roma sua elegância real em "A Princesa e o Plebeu" (1953). Vitória.

Se a leitora prefere o desequilíbrio, Vivien Leigh ("Uma Rua Chamada Pecado", 1951), Joanne Woodward ("As Três Máscaras de Eva", 1957) ou novamente Elizabeth Taylor ("Quem tem Medo de Virginia Wolf?", 1966) são alguns exemplos de sucesso no excesso.

Um conselho: não experimente a deficiência física profunda. Isso é coisa para machos. Quando muito, Hollywood tolera a mudez. Marlee Matlin ("Filhos do Silêncio", 1986) ou Holly Hunter ("O Piano", 1993) ilustram o que digo.

Moral da história? Um Oscar para melhor atriz será praticamente imperdível se a leitora encontrar o papel de uma mulher com dupla personalidade: religiosa durante o dia, garota de programa à noite. Ser surda-muda também ajuda, mas convém não exagerar.

E os homens? A escolha é mais variada. Mas o conservadorismo de Hollywood mantém-se.
Há papéis que o leitor deve evitar por seu evidente anacronismo. Pistoleiros do faroeste? Sim, funcionou com John Wayne ou Lee Marvin. Não funcionou mais com Clint Eastwood ou Jeff Bridges. E sobre as figuras bíblicas, esqueça: depois de "Ben-Hur", a fonte já secou.

Para os homens, Hollywood sempre gostou de figuras de autoridade. Escolha uma. Podem ser estadistas (Thomas More, Henrique 8º, Disraeli, Gandhi, George 6º etc.).

Mas também podem ser padres, policiais ou militares. Spencer Tracy, em "Com os Braços Abertos" (1938), foi padre. Bing Crosby, em "O Bom Pastor" (1944), também. E Gary Cooper ganhou dois Oscar seguindo o conselho: primeiro, foi sargento em "Sargento York" (1941); depois, xerife em "Matar ou Morrer" (1952).

Para além da autoridade política ou moral, existe ainda a autoridade física. Pugilistas ocupam o topo: Wallace Beery ("O Campeão", 1931) ou Robert De Niro ("Touro Indomável", 1980) são a prova de que Hollywood gosta de gente que bate.

Se, pelo contrário, o leitor optar pela fraqueza -física ou mental- convém descer mesmo aos infernos. A deficiência tem que ser severa (Jon Voight, paraplégico; Dustin Hoffman, autista; Daniel-Day Lewis, paralisia cerebral).

Hollywood sempre gostou de cegos (Al Pacino, Jamie Foxx). Há aqui um padrão: mudez para as mulheres, cegueira para os homens.

Infelizmente, concluo com tristeza que Hollywood despreza jornalistas como eu. Mas isso não significa que "jornalista" seja papel a evitar. Clark Gable foi um em "Aconteceu Naquela Noite" (1934).

Se juntarmos ao papel alguns comportamentos próprios da profissão que Hollywood também aprecia -um certo gosto pela garrafa (Lionel Barrymore em "Uma Alma Livre", 1931); Nicolas Cage em "Despedida em Las Vegas" (1995) e evidentes distúrbios de personalidade (Jack Nicholson, sempre Jack Nicholson), posso mesmo concluir, sem exagero, que a minha vida merecia um Oscar.

jpcoutinho@folha.com.br

Folha de São Paulo - Ilustrada - 28/02/2012 

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