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segunda-feira, 5 de março de 2012

A invenção de Hugo e a esfinge de Pondé

Eis que andava eu extremamente compelida a finalmente organizar minhas impressões sobre alguns aspectos em particular da maternidade retratados no cinema - sobretudo francês - dos últimos anos, o que exigiu uma forte dose de veneno no meu coração, quando ontem, sozinha, resovi ir ver ao "A invenção de Hugo Cabret". Cinéfila de botequim que sou (literalmente, mas no bom sentido), e na iminência da TPM, deixei de lado qualquer visão mais pragmática da narrativa e fiz o pacto. Chorei horrores. E o meu envenenado coração mergulhou numa candura tamanha que cheguei em casa e revi o "Cinema Paradiso". Mas este post não é sobre nada disso, que ainda tenho outras ideias para um futuro comentário sobre metafilmes.



Acordei, contudo, ainda enbevecida e tomada de ternura e dei de cara com o Pondé meu de cada segunda-feira. Juntamente com o "The Walking Dead" sagrado de cada noite de terça, um vício. (Sobre isso, aliás, minha mania com zumbis, um post futuro, prometo).

Ainda que não me entenda exatamente uma discípula, sou obrigada a confessar meu apreço pelo cinismo do cara. Quem vem acompanhando a polêmica em torno da coluna da semana passada sabe que o texto não tem absolutamente nada de gratuito e, pelo contrário, é praticamente um adendo ao comentário que ele mesmo já havia publicado no final de semana, em resposta às reações negativas do público frente à alusão rodrigueana nada delicada na polêmica coluna. 
Somente o Luiz Felipe para me resgatar do risco de um diabete intelectual e me trazer de volta à realidade nesta segunda ensolarada. O post prometido deve sair do forno nas próximas horas. Obrigada!

Segue o feito:

Conhece-te a ti mesmo - Luiz Felipe Pondé
Folha de São Paulo - Ilustrada - 05/03/2012

Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.
Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.
O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.
Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.
Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas.
Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.
Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres.
Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.
Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer.
Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.
Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor.
De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.
Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas.
Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.
Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.
ponde.folha@uol.com.br

PRÓXIMA POSTAGEM: "Maternidade, inferno e Sétima Arte" (será que agora vai?)

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