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sábado, 3 de março de 2012

A arte de "prosear o nada", segundo Álvaro Pereira Junior

A leitura do artigo de Pereira Jr na folha de hoje, que versa sobre o novo romance de Ali Smith (The But for The) me fez lembrar uma charge do meu candidato à prefeitura de São Paulo, o cartunista e atualmente crossdresser, Laerte, cuja candidatura (até onde sei, fictícia, meme do face) tem um dos grandes slogans dos últimos tempos: 

"Se for para ser humorista, que seja gênio! Se for para ser branco e classe média, que seja revolucionário! Se for para ser homem, que seja um que respeita as mulheres a ponto de se tornar uma! Se for para ser mulher, que tenha colhões! LAERTE PARA PREFEITA, EU ACREDITO!"



Para além da resenha do romance em particular, vale a reflexão sobre as tendências da ficção contemporânea que, aos olhos do colunista, tem bebido sobremaneira na fonte da metalinguagem e do academicismo, em detrimento da criação de enredos envolventes. Recomendo!
LIVROS SOBRE O NADA - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR 
Folha de São Paulo, Ilustrada, 03/03/2012
Pouco acompanho a produção contemporânea de ficção, mas recaídas acontecem, e uma delas é o tema de hoje: o romance "There But for The", da escocesa Ali Smith (ainda inédito no Brasil), um dos mais citados nas listas estrangeiras de melhores de 2011.
A história é assim: um pessoal se reúne para jantar e, por razões desconhecidas, um dos convidados se levanta, tranca-se em um quarto e dali não sai.
A partir daí, não acontece absolutamente nada. Mas descobrir que não está acontecendo nada não é missão fácil. É preciso decifrar a prosa de Ali Smith e desbastar a estrutura narrativa. A autora é do tipo que, se pode complicar, complica.
O que, em si, não é mau, como sabemos nós, leitores masoquistas. Se é para sofrer, a gente topa. Mas tem de haver uma troca, um pote de ouro no final desse caminho tortuoso. Ou pote nenhum -mas aí é preciso que o percurso, ainda que difícil, apresente beleza e originalidade.
Infelizmente, não é o caso de "There But for The". Ele não tem uma história boa para contar. Tampouco a estrutura é super inovadora. Em princípio, nem valeria ocupar este espaço. Só está aqui porque, talvez, seja um símbolo importante do estado atual da literatura.
Que virou, a meu ver, essa coisa psicologizante, de fluxo de consciência, jogos de palavras, falação interminável, em geral na primeira pessoa. Narrativas que só se ocupam de si próprias. É só uma tese, admito, e não das mais elaboradas. Mas "There But for The" se encaixa perfeitamente nela. Uma literatura que trata do vácuo. E que, detalhe importante, tem como único referencial o próprio mundo dos livros.
Dei uma olhada na biografia de Ali Smith. Bingo. Formada em letras na Escócia, depois pós-graduação em Cambridge, depois participações em sabe-se lá quantos grupos de estudo... Vida fora dos livros? Não encontrei.
No romance, a literata Smith tem um "protagonista": o solteirão de meia-idade Miles Garth, aparentemente assexuado e, claro, literato também. É ele que se tranca no quarto. O jantar acontece em Greenwich, subúrbio ao sul de Londres, sede do observatório famoso.
O evento é promovido por um casal yuppie que, para parecer moderno, reúne em casa, às vezes, pessoas de perfis "exóticos".
À mesa, estão Miles, seu conhecido Mark, um casal meio bronco, um casal erudito e a filha deste, Brooke, superdotada de nove anos, que os pais tratam como adulta e levaram ao jantar sem avisar os anfitriões. É um ambiente tenso.
Com perdão da heresia, lembra um pouco a refeição oferecida logo depois do velório de Marmieládov, em "Crime e Castigo". São semelhantes a atmosfera pesada, o desconforto, as ironias, as acusações.
Mas, enquanto a profundidade psicológica dos personagens de Dostoiévski é objeto de estudo há quase 150 anos, na cena criada por Ali Smith é tudo esquemático e politicamente correto.
Os donos da casa são cabeças de vento fúteis, classe média em busca de status. O casal negro é sensato e erudito. No outro casal, xucro, o marido é homófobo desbocado, mas mantém, secretamente, um caso gay com outro convidado, Mark, que é judeu, filho de uma famosa artista suicida. Isso não é uma lista de personagens. É um inferno de boas intenções.
Que fique claro: "There But for The" não é banal ou mal escrito. Smith mostra imaginação e erudição. Brinca à vontade com as palavras, faz referências a dezenas de livros, parodia autores etc. etc.
E a estrutura é criativa. Conta a história de Miles Garth sob a perspectiva de quatro pessoas que mal sabiam quem ele era: uma conhecida de adolescência; Mark (que o levou ao jantar); a mãe velhinha de uma ex-namorada; e a menina Brooke. Mas não passa disso.
Ouvi recentemente de um amigo, infinitamente mais bem informado que eu sobre literatura atual, que ele nunca tinha ligado para histórias policiais, mas vinha se interessando cada vez mais pelo gênero.
Compreende-se: bons enredos estão em falta. E os romances policiais são uma ótima fonte. Como o "Agente Secreto" (1907), de Joseph Conrad, também passado em Green-
wich, e ao qual existem várias referências em "There But for The". O livro de Ali Smith teve ao menos esse mérito. Fui buscar "O Agente Secreto" na estante. Uma história, afinal.
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